sexta-feira, 28 de outubro de 2016

[Resenha] Escuridão Total Sem Estrelas


Título: Escuridão Total Sem Estrelas

Título original: Full Dark No Stars

Autor: Stephen King

Editora: Suma de Letras

Número de páginas: 392


Sinopse: Na ausência da luz, o mundo assume formas sombrias, distorcidas, tenebrosas. Em Escuridão total sem estrelas os crimes parecem inevitáveis; as punições, insuportáveis; as cumplicidades, misteriosas. Em 1922, o agricultor Wilfred e o filho, Hank, precisam decidir do que é mais fácil abrir mão: das terras da família ou da esposa e mãe. No conto Gigante do volante, após ser estuprada por um estranho e deixada à beira da morte, Tess, uma autora de livros de mistério, elabora uma vingança que vai deixá-la cara a cara com um lado desconhecido de si mesma. Já em Extensão justa, Dave Streeter tem um câncer terminal e faz um pacto com um estranho vendedor. Mas será que para salvar a própria vida vale a pena destruir a de outra pessoa? E, em Um bom casamento, uma caixa na garagem pode dizer mais a Darcy Anderson sobre seu marido do que os vinte anos que eles passaram juntos. Os personagens dos quatro contos de Stephen King passam por momentos de escuridão total, quando não existe nada — bom senso, piedade, justiça ou estrelas — para guiá-los. Suas histórias representam o modo como lidamos com o mundo e como o mundo lida conosco. São narrativas fortes e, cada uma a seu modo, profundamente chocantes.

Defina o livro com uma frase: Alguém viu a estréia da 7ª temporada de "The Walking Dead"? Pois se viram é exatamente isso que esses contos fazem com a sua cabeça: explodem ela em milhões de pedacinhos.


Esse livro é uma coletânea de 4 contos, que tem como intuito fazer com que você sinta um nó no estômago e perca o sono. Porém nada de perder o sono devido ao medo dos monstros embaixo da cama, o medo aqui é mais profundo, mais visceral.

Esse livro vai fazer com que todo aquele medo infantil do escuro volte com força total, o que será que espreita na escuridão? Ou pior ainda, será que você conhece os confins mais escuros da sua própria alma? E quanto às pessoas ao seu redor? Será que você pode dizer que nunca temeu a escuridão? 

“Se você não quer ver, por que em nome de Deus desafiaria a escuridão?” (página 388)

Como o próprio Stephen King disse no posfácio: são as histórias de pessoas comuns em situações incomuns que realmente chamam nossa atenção. Em seus livros ele sempre busca provocar uma reação emocional, até mesmo visceral nos seus leitores, e isso com certeza acontece nesse livro.

“As histórias neste livro são chocantes. Você pode ter achado difícil lê-las em alguns momentos. Se foi o caso, posso lhe assegurar que também achei difícil escrever as histórias em alguns momentos.” (página 387)

Cada conto tem uma temática diferente, porém a ideia é a mesma: momentos de escuridão total, ou seja, o fundo do poço de 4 personagens que não podiam ser mais diferentes um do outro, e que se veem sem esperança alguma.


O primeiro conto chama-se “1922”, e é narrado em formato de confissão por Wilfred Leland James, um fazendeiro que vive no interior do Nebrasca em uma “pequena” fazenda com a mulher e seu filho de 14 anos. Logo no primeiro parágrafo somos pegos de surpresa pois Wilf confessa ter matado a esposa, com a ajuda do filho, e jogado seu corpo no velho poço da fazenda. Tudo isso por causa de 100 acres que ela herdou de seu pai. 

“Mas havia uma terceira presença naquele cômodo: a determinação inelutável da minha esposa, que tinha uma existência independente da mulher em si (pensei tê-la sentido na época, e agora, oito anos depois, tenho certeza disso). Esta é uma história de fantasmas, mas o fantasma já estava lá antes mesmo que a mulher a quem ele pertencia morresse.” (página 27)

Esse é maior conto da coletânea e ele foi o que mais demorou para engatar, porém, quando as coisas começam a acontecer é um tapa na cara depois do outro. Ele apresenta um toque sobrenatural que faz tudo ser mais macabro ainda. Mas ainda fica aquela dúvida no final: Será que Wilf era amaldiçoado ou louco?

“No fim, somos todos pegos por nossas próprias armadilhas. Eu acredito nisso. No fim, somos todos pegos.” (página 106)

Esse conto reflete bem como ganância de alguém é capaz de passar por cima de tudo e de todos, e como uma desgraça parece atrair a outra...

“Vou compartilhar algo que aprendi em 1922: tudo sempre pode piorar.” (página 53)


Stephen King diz que a inspiração para esse conto surgiu de um livro de não ficção chamado “Wisconsin Death Trip” de Michael Lesy, que mostrava fotografias tiradas em uma pequena cidade de Wisconsin. Ele diz que ficou impressionado pelo isolamento rural das fotografias e pela severidade e privação no rosto das pessoas.

O segundo conto é “Gigante do Volante” nele, uma autora chamada Tess está voltando de uma sessão de autógrafos em uma cidade vizinha, quando decide tomar um atalho pouco convencional para voltar para casa, e é estuprada e deixada para morrer. Porém ela sobrevive, e ao invés de denunciar o responsável ela planeja fazer justiça pelas suas próprias mãos, não importa quais sejam as consequências...

“Olhou para a pistola ao lado da pia e percebeu que, se ele estivesse lá, ela atiraria sem hesitar. Saber disso fez com que ficasse confusa sobre si mesma. Mas também a fez se sentir um pouco mais forte.” (página 190)

Esse conto foi o mais difícil de ser lido, a forma como tudo se desenrola é no mínimo chocante e asquerosa. Tudo passa do comum para a merda em um estalar de dedos, a forma com que Tess lida com a situação faz parecer que outra pessoa tomou conta de seu corpo.

Nesse conto vemos como dado o gatilho certo, podemos descobrir que existe uma outra pessoa dormente dentro de nós mesmos, e que ao sair da escuridão, essa pessoa é extremamente cruel e capaz de qualquer coisa para saciar sua sede por sangue.

“Somos todos loucos aqui, então tome outra xícara de chá, pensou ela, e riu mais do que nunca.” (página 196)

Já a inspiração para esse conto surgiu quando, após uma parada na estrada, Stephen King vê uma mulher com o pneu furado tendo uma conversa aflita com um caminhoneiro, que se oferecia para ajudá-la a trocar o pneu...

O terceiro conto é “Extensão Justa”, onde um homem com câncer terminal, chamado Dave Streeter, faz um pacto com o diabo – sem botar muita fé que algo aconteceria – em troca de sucesso, só que o preço a ser pago talvez seja mais alto do que imaginado...

“Você precisa transferir esse peso. Em outras palavras, você tem que passar o mal adiante, se o mal for retirado de você.” (página 274)

Esse conto é sensacional, nele, King descreve um diabo que perdeu a “fé” na humanidade e que manipula a vida apenas por diversão, sem pedir nada de grande “valor” em troca – pelo menos levando em conta que o seu maior bem é sua própria alma. Nosso querido capiroto pede, apenas, que você escolha alguém que odeie para transferir o mal. 

“E se você acha que vou aparecer daqui a duas décadas para coletar sua alma no meu velho caderninho mofado, está enganado. A alma dos humanos se tornou pobre e transparente.” (página 289)

Será que você seria capaz de condenar alguém só para poder se salvar? Sabemos bem a resposta dessa pergunta, não sabemos?

“A vida é justa. Todos nós passamos nove meses na barriga, e então os dados começam a rolar. Algumas pessoas dão sorte. Outras, infelizmente, dão azar. É assim que o mundo é.” (página 299)

A inspiração para esse conto surgiu devido a um vendedor de bolas de golfe que fica em uma rua (chamada extensão da rua Hammond) perto de onde Stephen King mora, e é conhecido como “O Cara da Bola de Golfe”, ele sempre aparece na estrada próxima a à extensão na primavera e vende as bolas de golfe usadas que ficam abandonadas na neve.

E o quarto e último conto é “Um Bom Casamento”, nele Darcy vai descobrir que não conhece realmente o homem com que ela esteve casada por 27 anos. Após encontrar acidentalmente uma caixa escondida, que pertence ao marido Bob, ela vai descobrir que o hobby de colecionar moedas não era a única paixão do marido.

“Não era uma escolha. Não se podia simplesmente desligar o amor [...] O amor vinha do coração, e o coração tinha as próprias vontades.” (página 326)

Darcy acidentalmente abre a caixa de Pandora e liberta os terrores da escuridão do passado do marido. O problema é que depois de aberta é impossível fechar a caixa da ignorância novamente.

"Ele era uma concha. E não havia nada lá dentro a não ser um imenso vazio.” (página 364)

A inspiração para esse conto veio quando Stephen King via uma notícia sobre um serial killer. Sua mulher viveu 34 anos sem saber quem ele era, e King acredita que ela falava a verdade, tanto que escreveu esse conto. Ele também o escreveu para “explorar a ideia de que é impossível conhecer alguém completamente, até mesmo aqueles que mais amamos.”

Cada um dos contos faz com que um diferente sentimento seja invocado, eu me senti parte da história de cada um deles, pensando o que eu faria no lugar de cada personagem. O que torna esses contos mais “assustadores” é a sua ordinariedade. Esses momentos de escuridão total podem acontecer com qualquer um, e como diria nosso querido Coringa: “Só é preciso um dia ruim para reduzir o mais são dos homens a um lunático, essa é a distância entre o mundo e eu... apenas um dia ruim.”

Emoções como ganância, vingança, inveja e ódio encobrem até os sentimentos mais puros, e mesmo que você se livre da escuridão ela deixará uma marca eterna na sua alma. Uma vez aberto os portões mais escuros do seu coração, eles nunca mais se fecham, vão estar apenas espreitando nas trevas por um momento de tomar conta de você novamente.

“Tudo bem, acho que já ficamos aqui embaixo na escuridão por muito tempo. Há todo um outro mundo lá em cima. Peque minha mão, fiel leitor, e ficarei feliz em levá-lo de volta à luz do sol. Estou feliz em ir lá, porque acredito que a maioria das pessoas é essencialmente boa. Sei que eu sou. É quanto a você que eu não tenho tanta certeza.” (página 390)

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