quinta-feira, 19 de abril de 2018

[Resenha] HEX

“[...] Isto é o quanto basta para as pessoas mergulharem na insanidade: uma noite a sós consigo mesmas e o que mais temem.” (Página 330)


“HEX” é uma mistura de bruxaria, fanatismo, medo e ignorância. Uma viagem para uma cidade do século XXI que é obrigada a reviver seus erros do século XVII diariamente, devido a uma maldição.

A pequena cidade de Black Spring definitivamente não se encaixa na definição de cidades pacatas do interior - a menos que estejamos falando das cidades criadas por Stephen King. Amaldiçoada com a presença imutável de Katherine Van Wyler, uma mulher acusada de bruxaria que foi caçada, torturada e morta no século XVII, Black Spring é tudo menos tranquila. Os seus habitantes só conhecem uma verdade: não provoque a bruxa.



“No entanto, ninguém deixou cair as sacolas de compras para ajudá-la a se levantar… pois, se havia uma coisa que os moradores de Black Spring valorizavam ainda mais que a urgência, era uma insistência cautelosa em nunca se envolver demais nos assuntos de Katherine.” (Página 11)


Ninguém sabe como a Bruxa de Black Rock sobreviveu à fogueira, mas ela continua rondando a cidade 300 anos após sua morte. Porém, Katherine não é apenas uma alma penada, seus olhos e boca foram costurados para impedir que ela lance maldições sobre um povo já maldito. Sempre que ela aparece, uma aura de melancolia, medo, sofrimento e pesar recai sobre aqueles ao seu redor, e a imprevisibilidade de suas aparições só aumenta a tensão na obra.

Os habitantes precisam controlar seus passos 24 horas por dia, para que ninguém de fora descubra a existência da bruxa, já que isso ameaçaria a vida de todos. E é justamente esse monitoramento, que faz com que a cidade viva em constante estado de paranoia e medo, já que a vida de todos está nas mãos da bruxa - ela não parece tão inofensiva assim, parece?


Acompanhamos a história por algumas perspectivas diferentes. A de Tyler, um garoto de 17 anos que só desejava ter uma vida normal fora de Black Spring, e que tem em mente um plano que pode salvar a cidade ou condená-la às profundezas de um novo círculo do inferno. A de Steve, pai de Tyler, que só quer o melhor para sua família, em especial seu filho mais velho. A de Griselda, uma mulher marcada por anos de abusos que busca conforto e redenção no pior lugar possível. E a de Robert Grim, chefe da HEX, uma organização criada para monitorar a bruxa e prevenir que a notícia da sua existência se espalhe para fora da cidade.


“ - Não dá pra acreditar nisso. A gente provavelmente já tá fodido mesmo, mas esse é um nível novo para se estar fodido; - Citando: Bem-vindo a Black Spring”. (Página 88)


O tom da obra é extremamente tenso e sufocante. A todo o momento imaginamos estar sobre mau olhado da bruxa. Passamos a leitura acreditando que ela nos observa o tempo todo, e passamos a viver em constante estado de paranoia, com medo do futuro: será que Katherine abrirá os olhos sozinha ou alguém, motivado pelo medo e ignorância, fará algo tão grave que provocará a bruxa até os seus limites, condenando a todos?

Temos aqui um cenário heterogêneo, em que diversos grupos pensam de maneiras completamente diferentes e conflitantes. A forma com que a cidade lida com situações extremas envolvendo bruxa é completamente movida pela histeria. Pessoas racionais e corretas se tornam completos maníacos ao menor sinal de fumaça. Eles não se importam com ninguém além de si mesmos e são capazes de sacrificar qualquer coisa e qualquer um para garantir sua própria segurança.


Apesar da sua temática extremamente pesada, temos momentos de diversão e sarcasmo. Uma das coisas que mais me divertiu foi a forma com que os agentes da HEX lidam com as aparições da bruxa em lugares públicos na presença de turistas. Escondendo-a atrás de cartazes ou construindo cabanas e “prendendo-a” por algumas horas. Até mesmo a forma com que Katherine age, como se ela quisesse tirar uma com a cara dos habitantes, chega a ser divertida e nos faz esquecer a gravidade da situação, mas não se iluda achando que este livro é leve…


“[...] Malditas sejam essas pessoas. Maldita seja sua corrente interminável de escolhas egoístas. Maldita seja sua recusa de buscar reconciliação, maldita seja sua incapacidade de amar, maldita seja sua insistência doentia em ver só o feio, não o bom.” (Página 349)


Apesar dos momentos cômicos, toda a atmosfera de Black Spring é envolta em um “miasma”, um mal estar. Os habitantes não podem deixar a cidade, e são “castigados” pelas ações de seus ancestrais, pagando o preço do erro cometido por eles há 300 anos e ainda por cima devendo proteger quem os amaldiçoou.


“Mas agora não estão chorando como os garotinhos que eram duas noites atrás; esse é o choro de garotos que acabaram de se tornar adultos por causa de eventos que são grandes demais para que possam suportar por conta própria. E, enquanto estão chorando, a imagem escurece.” (Página 192)



“HEX” mistura tecnologia e ocultismo, e nos faz questionar a todo momento se Katherine realmente é tão poderosa assim. E é justamente isso que motiva toda a problemática da história: como já faz tanto tempo desde uma demonstração de poder da bruxa, será que isso não é apenas uma lenda? Será que Katherine é tão perigosa assim?

Eu amei essa história e não consegui largar o livro até terminá-lo. Eu já esperava uma obra pesada, mas nada me preparou para o nível de terror deste livro. A forma com que Thomas criou um cenário em que tudo está prestes a desmoronar e a forma com que tanto o autor quanto a bruxa, brincam com nosso psicológico é terrivelmente sensacional. Culminando em um final desolador, inesperado e digno do selo “de cair o cu da bunda”.


“Assim como em tantos contos de fadas, a parte mais cruel é frequentemente esquecida: não é a parte da bruxa, mas a parte com o pobre lenhador chorando a morte de seus filhos.” (Página 255)


Um dos únicos “problemas” foi a ausência de uma voz ativa por parte de Katherine. Apesar da história ser basicamente sobre ela, ela quase não tem presença. Até achei que Thomas fosse abordar melhor sua vida, aproximando-a do leitor. Mas é justamente nesse distanciamento que Katherine se torna misteriosa. Tentamos entrar em sua mente, e nela só conseguiríamos enxergar a vingança - pelo menos levando em conta o ponto de vista de quem nos contou sua história… Mas a grande questão deste livro é que as coisas não são o que parecem, nada é tão simples ou raso. Afastá-la do leitor a torna um eterno ponto de interrogação, o que de certa forma ajuda a construir a tensão do livro. Mesmo assim, eu ainda acho que ela poderia ter tido um pooouco mais de presença...


“E, em algum lugar de Black Spring, a bruxa parou de sussurrar… e começou a escutar.” (Página 240)


Em “HEX”, nada é o que parece e ninguém está a salvo da ira de Katherine. Só lembre-se: não provoque a bruxa. Entendeu? Não. Provoque. A. Bruxa. Certas regras foram criadas para sua própria proteção...


Autor: Thomas Olde Heuvelt
Editora: Darksidebooks
Número de páginas: 368
Classificação: ★★★★★♥/✰✰✰✰✰

*Livro cedido em parceria pela editora*

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