terça-feira, 10 de abril de 2018

[Resenha?] A Saga do Bruxo Geralt de Rívia #1: O Último Desejo


De que vale uma onde se você não embarcar nela? O mercado editorial está repleto de novos lançamentos toda semana: centenas e mais centenas de autores veem o trabalho de suas vidas encalhar nas prateleiras das redes de livrarias enquanto uns pouquíssimos gozam dos louros do sucesso. É lugar comum dizer que esse sucesso não está necessariamente relacionado à qualidade de uma obra propriamente dita, o que não quer dizer que não haja pérolas dentre os shelfbusters (vocês leram aqui primeiro). Enquanto obras como “Harry Potter” apelam para as mazelas adolescentes, “Cinquenta Tons de Cinza” preenche nossas necessidades de putaria desenfreada e “Crepúsculo” supre a demanda cada vez maior por um erotismo meio brega e inapropriado. Todo livro de sucesso, por mal ou bem, acerta um nervo exposto no zeitgeist e capitaliza em cima dessa cagada: nenhuma dessas autoras enriqueceu por acaso. E, ao passo em que os fãs abobados inundam as redes sociais com enchentes catastróficas de referências e citações a seus livros favoritos, manadas de desavisados procuram as redes de livrarias com o intuito de adquirir um exemplar desse livro que está todo mundo lendo, afinal, de que vale uma onda se você não embarcar nela? Enquanto isso, centenas e mais centenas de autores veem o trabalho de suas vidas encalhar nas prateleiras das redes de livrarias enquanto uns pouquíssimos gozam dos louros do sucesso.

O livro que li agora faz parte de uma série e também veio numa onda, embora muito aquém do tsunami que causam as Jojo Moyeses e os Nicholas Sparkses do mundo. Estou falando, como você com certeza já está careca de saber, da série de contos e romances que inspirou a aclamada série de jogos, The Witcher. Não joguei os jogos mas fui cativado por uma cutscene do primeiro jogo, que inclusive é baseada em um dos contos de “O Último Desejo”, motivo pelo qual adquiri um exemplar da primeiríssima tiragem. “Mas venha cá, seu bode fétido, como pode você ter comprado um livro em 2011 para só lê-lo em 2018?”. Excelente questão. A verdade é que, quando abri o livro e li as primeiras 50 páginas no longínquo ano de 2011, detestei a tradução: achei repetitiva e meio mal adaptada. O engraçado é que, assim como qualquer um, considero que meu gosto foi ficando mais restritivo ao longo dos anos, ao passo em que a vida adulta foi me forçando a usar melhor do meu tempo. Pois imagine minha surpresa quando, por conta de outra cutscene de outro jogo, decidi dar uma segunda chance para o livro e, do alto de minha torre de bom gosto e apreciação por sutilezas, não vi tanto problema com a tradução. Ainda acho que o texto é meio esquisito (inclusive, achei que havia sido traduzido do inglês e me surpreendi ao ver que a  editora Martins Fontes trouxe um tradutor polonês), mas é impossível saber se o problema está na fonte ou na adaptação, pois aprender polonês, infelizmente, não está nos meus planos futuros. De qualquer maneira, se eu te disse em algum momento que a tradução desse livro é péssima, retiro o que disse: na verdade é bem boa.



Enfim, como eu já citei em algum momento na massa de letras aí em cima, “O Último Desejo” é uma coletânea de contos do famoso autor polonês Andrzej Sapkowski (algo digno de nota é ele ter o sobrenome mais pronunciável do que o prenome). Pode passar despercebido para nós aqui dos trópicos, mas essa série é de extrema importância para a Polônia. A CD Projekt, desenvolvedora e distribuidora de jogos polonesa, é uma das maiores empresas relacionadas a videogames do mundo e sua adaptação d“A Saga do Bruxo Geralt de Rívia” tornou-se um símbolo nacional de sucesso econômico. Portanto, como não embarcar nessa onda? A edição brasileira, publicada pela Martins Fontes, possui seis contos que estão dispostos ao longo do livro intercalados com um sétimo chamado “A Voz da Razão”, que serve como uma espécie de linha guia indireta, servindo de transição entre os textos. Cada um dos contos trata de um aspecto diferente do riquíssimo universo criado por Sapkowski, abordando com naturalidade temas que vão da geopolítica à cultura; da comédia à tragédia.

A habilidade que o autor tem de transitar fluentemente entre os gêneros literários é impressionante. Geralt é um personagem experiente e calculista, extremamente pragmático em sua profissão de caçador de monstros, mas que não perde a oportunidade de fazer algum comentário ácido quando a situação permite. E é nessas pequenas subversões dos tropos da fantasia capa e espada que estão as grandes sacadas do autor: nosso bruxo é um caçador de monstros, mas são raramente eles que causam os maiores problemas. O riviano está sempre transitando entre os mais diversos níveis sociais e Sapkowski constrói essa hierarquia de maneira paciente e precisa: a linguagem coloquial usada com o campônio se distingue muito das formalidades da corte, onde uma vírgula fora do lugar pode ser a diferença entre regalias ou a forca (vida a rainha Calanthe, uma personagem que exala perigo sob sua fachada de nobre senhora). Tudo isso regado a muita porradaria.

“O Último Desejo” está longe de ser um livro maniqueísta: seus personagens são extremamente dúbios e imprevisíveis, porém, sem nunca se distanciarem de uma lógica muito bem construída. Não estranhamos o fato de um vilarejo de camponeses queimar toda sua plantação por ordem de uma vidente pois somos muito bem introduzidos a essa dinâmica e, assim que temos notícia do ocorrido, já começamos a pensar em qual será a reação dos nobres ao descobrirem isso. Trata-se de um universo coeso e muito bem explorado, não apenas de um mundo criado para ser habitado por alguns personagens centrais. As cidades estão vivas, as pastagens respiram, o perigo espreita. Sapkowski tem algo a dizer sobre adaptação, sobre a passagem dos anos, sobre a guerra e suas motivações, sobre os homens e suas mazelas. Trata-se de uma experiência muito bem vinda, um livro imprescindível para quem é fã do gênero. Quem venham os próximos, dessa onda eu não desembarco (vem comigo galerinha).

Autor: Andrzej Sapkowski
Editora:  Martins Fontes
Número de páginas: 320
Classificação: ★★★★/✰✰✰✰✰

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