terça-feira, 30 de outubro de 2018

{Outubro Trevoso}[Especial] O Terror Intrínseco do Cinema


Os gêneros, na arte de maneira geral, não existem naturalmente: nós os criamos para organizar os conteúdos em nossas limitadas cabeçolas de primata que, na maior parte do tempo, estão preocupadas com o fim do mês ou com a possibilidade de termos saído de casa sem trancar a porta. Por conta disso, é comum que um misto de preconceito e conveniência nos estimule a atribuir gêneros errôneos aos filmes que assistimos e a considerar certos gêneros menores ou menos importantes. Um exemplo clássico é High School Musical, que é claramente um filme de terror (você chega na escola e está todo mundo cantando e dançando em conjunto, ‘cê é loko), mas que é falsamente acusado de ser um musical ou uma comedia familiar.


Por motivos que talvez não valha a penas refletir sobre agora, os gêneros horror e terror (que eu vou chamar só de terror mesmo para não ter que cair na discussão mais “Bolacha Vs. Biscoito” do mundo do cinema), sofreram particularmente desse preconceito/praticidade ao longo dos anos e, embora isso esteja mudando recentemente, durante muito tempo esses dois termos foram sinônimos de filmes cliché de baixa qualidade que buscavam atrair plateias com promessas de violência gratuita e peitinhos.

Se por um lado o preconceito/praticidade impediu excelentes filmes de receberem o crédito que mereciam, por outro nos estimulou a não utilizar esses gêneros para definir obras primas que são muito mais assustadoras do que a maioria dos filmes de terror já lançados. Portanto, aqui estão três exemplos de filmes que ninguém considera de terror, mas que são o capeta de zorba chupando manga solto no mato.

Ensaio Sobre a Cegueira, de Fernando Meirelles



Baseado na obra homônima do grande José Saramago, esse filme explora o comportamento social em situações extremas. É bem um ensaio mesmo, uma série de reflexões e extrapolações sobre o que poderia acontecer em um estado de cegueira generalizada e, embora não brinque com nossas expectativas, estruturando-se mais sobre uma espécie de tragédia anunciada, não deixa de ser tenso e desesperador por causa disso. Contando com uma cinematografia muito bonita e excelentes soluções visuais para os conceitos do livro, “Ensaio Sobre a Cegueira” é um dos filmes mais angustiantes e aterrorizantes que já assisti, especialmente pela sensação de que Saramago, provavelmente, acertou na mosca.

Hotel Ruanda, de Terry George


“Ruanda pode ser um paraíso novamente, mas será necessário o amor do mundo inteiro para curar minha terra natal. E é assim que deveria ser, pois o que aconteceu em Ruanda aconteceu com todos nós – a humanidade foi ferida pelo genocídio” - Immaculee Ilibagiza.

Em tempos de desdém pelos direitos humanos e pelas consequência da violência no mundo real, nada assusta mais do que exemplos reais de violações brutais a esses direitos. Com performances antológicas de Don Cheadle e Nick Nolte (para citar os que eu lembro), “Hotel Ruanda” tem uma das cenas mais assustadoras que já vi e ensina muito sobre uma tendência que estamos tendo aqui no Brasil de escolher um grupo social para cristo (o ditado popular nunca foi tão acertado), e atribuir a ele todos os males do mundo.

Kids, de Larry Clark


Para quem assitiu “It Follows” e achou super criativa a premissa do monstro (tamo junto, viado), sugiro elevar o nível e assistir “Kids”. Puta que pariu! Filmaço que explora a juventude de maneira que eu nunca vi antes: sem censura, sem moralismo, sem maniqueísmo. Realidade nua e crua na sua cara para você largar de medinho e conversar com seu/sua filho/filha sobre educação sexual de uma vez por todas. Tem um ritmo que não é muito comum, o que pode te tirar um pouco do prumo, mas garanto que o esforço vale a pena. Baita filme que fica muito tenso da metade para o fim e que tem um final arrebatador e entristecedoramente realista.

BONUS!!!

Borat, de Larry Charles


Embora seja um dos filmes mais engraçados que eu já vi, Borat também é muito tenso na medida em que expõe o lado podre da sociedade americana (“throw the jew down the well”). Nada assusta tanto quanto o choque de realidade; alguns escolhem ignorar, outros procuram explicações para justificar. Cohen nos faz rir e na risada percebemos o ridículo, no ridículo percebemos o retrógrado, no retrógrado percebemos o problemático. Na percepção nos tornamos pessoas melhores!

***

Este post faz parte do Outubro Trevoso, para acessar os outros posts especiais é só clicar aqui!


Nenhum comentário:

Postar um comentário