“A Maldição da Residência Hill”, assim como muitas outras obras recentes de terror/horror, é uma série que empurra os limites de seu gênero. Tanto que seria plenamente aceitável defini-la não como uma série de terror, e sim como um drama familiar que usa de elementos abstratos para construir seu argumento de maneira eficiente e instigante. E se as coisas dão uma esfriada do meio para o final, é justamente o drama familiar, e não o terror, que vai prender o expectador e garantir aquela levantada boa no bolso do Sr. Netlflix.
Estruturada em torno da família Crain que, atormentada por uma série de eventos – ou seria apenas um evento? – traumáticos que passaram no breve período em que residiram numa mansão vitoriana digna de qualquer filme de fantasma que você puder imaginar, crescem disfuncionais e distantes sentimentalmente um do outro. Ocorre uma perda na família, o que os leva a se juntarem mais uma vez e, partindo desta reunião, confrontarem seus traumas; talvez de forma derradeira.
Os fantasmas da série são muito bons porque, em parte, seu objetivo não é só assustar. Embora muita coisa fique no ar sobre quem eles foram ou sobre o porquê deles estarem ali, podemos extrair muitas coisas sobre eles pela maneira como nos são apresentados: uma surge bela na flor da idade, outra idosa no leito de morte, um surge gigantesco e disforme, outro preso ao seu trabalho, ainda tentando consertar um relógio mesmo séculos após sua morte. Cada corpo ali, cada alma penada, parece possuir páginas de história sobre as quais podemos apenas fantasiar. Outra coisa importante é que “A Maldição da Residência Hill” não é um terror cristão, desses em que as aparições são claramente demônios que usam de suas capacidades sobrenaturais para virar crucifixos de ponta cabeça ou materializar bodes no espelho. Isso pode parecer uma coisa menor dentro da trama, mas contribui muitíssimo para a sensação de frescor que a série carrega (muito embora não seja algo novo).
A produção da série é algo digno de aplauso. É muito inspiradora, quase empolgante, a maneira como os cenários são construídos, as transições de cena, o uso de cores, as aparições escondidas nos fundos de um monte de cenas, enfim, tudo que vemos em cena é impecável, especialmente porque tudo isso tem um profundo significado narrativo. Ao longo de toda a série aprendemos que a cor vermelha está relacionada aos fantasmas, aos traumas, ao muro sentimental que erguemos ao nosso redor para nos protegermos do mundo (para usar a metáfora da série). Então, quando vemos o bolo de Luke no último episódio, ficamos com a pulga atrás da orelha. Aprendemos que Theo possui capacidades sobrenaturais relacionadas ao toque e, quando ela ajuda as autoridades a encontrar um criminoso, somos induzidos a concluir que foi em virtude desses poderes sobrenaturais quando, na verdade, pode ter sido simplesmente uma enorme competência profissional. Toda essa atenção para detalhes contribui para a construção de uma história cheia de profundidade e ângulos interpretativos que agradarão um público bastante variado.
Tendo dito isso, é verdade que a trama esfria um pouco após o sexto episódio, ficando até meio piegas no final. Os calafrios vão diminuindo e os sustos simplesmente somem na medida em que a série vai entrando cada vez mais em modo drama familiar. Além disso, há um plot twist genial que ocorre no meio da série e que nunca é superado, dando uma impressão de ejaculação precoce para a estrutura dos atos. Outro ponto que me decepcionou (mas isso é uma coisa pessoal mesmo), foi o fato de que, em um determinado momento, a série abre margem para que o expectador conclua que todo o passado que testemunhamos é fruto das narrativas de Steve. Achei essa perspectiva interessantíssima, mas a série não retorna a isso, deixando um espaço aberto que poderia ter sido melhor explorado.
Dotada de diversos momentos icônicos e de um drama delicadíssimo, “A Maldição da Residência Hill” é uma série que precisa ser vista não somente por estar na moda, mas também por seu valor de produção incrível. Trata-se de uma série que, ao contrário de outras, não depende o hype para se sustentar. Trata-se de um terror tenso que procura ir além do medo e do suspense, trata-se de uma obra que traz discussões e entretenimento para diversos públicos em igual medida.
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