quinta-feira, 31 de outubro de 2019

{Outubro Trevoso} [Resenha] "Horror Noire", de Robin R. Means Coleman


"Horror Noire" é uma obra acadêmica fruto de cerca de 10 anos de pesquisa e elaboração. Trata-se do fruto do trabalho árduo de uma pesquisadora muito importante para sua área. Mesmo assim, Robin Coleman constrói um livro conciso, sem excessos e com uma linguagem tão acessível quanto precisa.

O recorte histórico escolhido pela autora é surpreendente logo de início. Coleman escolhe abordar o assunto da representatividade negra no cinema desde os primórdios da mídia, partindo do ano de 1890 até os dias atuais. Neste momento fica claro que o objetivo não é simplesmente analisar as simbologias e clichês raciais do cinema, mas sim tecer uma análise que passa pela imagem do negro no imaginário coletivo, como essa imagem reflete na sociedade e como a sociedade a reforça e reproduz. Digo surpreendente porque, sabendo da dramaticidade da segregação racial estadunidense, não imaginei que a autora encontraria material que partisse de tempos tão primórdios. A leitura do livro, no entanto, tornou óbvia a escolha: não se trata de um livro sobre filmes com negros, e sim sobre como o negro vivencia o cinema enquanto etnia e segmento social.

O incômodo que motivou o trabalho de pesquisa é bastante claro. Segundo o livro, o público negro, na época da publicação, compunha cerca de 13% da população norte-americana e, ao mesmo tempo, um quarto da audiência de filmes de terror no país. Essa informação salta aos olhos quando lembramos algumas das máximas do gênero (negros sendo retratados como selvagens, como bandidos, morrendo sempre primeiro, etc.) Como pode um dos principais públicos dessas obras ser tão mal retratado?


Essas e outras questões permeiam o livro de maneira bastante orgânica, onde um elemento leva infalivelmente ao outro sem que muito esforço retórico seja necessário para encadear as ideias, já que são todas extremamente coerentes e claras. A autora joga com a diferença entre filmes negros de terror e filmes de terror com negros; uma diferença que parece boba ou óbvia, mas que serve como porta de entrada para uma série de reflexões excelentes.

Uma das reflexões que o livro suscita, e que portanto já vale a leitura, é referente ao clássico de George Romero, "A Noite dos Mortos Vivos", um dos primeiros filmes a mostrar um protagonista negro como sendo um líder forte e sob controle. Esse papel disruptivo para aquele tempo dá lugar, na refilmagem do - à época tido como visionário - diretor Zack Snyder, aos mesmos clichês cansados de Hollywood. Ben cede o protagonismo a uma moça branca e loira de classe média ao passo em que a presença negra é reduzida a um pai irracionalmente super protetor que coloca tudo a perder por não conseguir raciocinar direito e ao clássico estereótipo de negão grande e forte. Impossível não notar como as mudanças enfraquecem a trama do original (e também como essa reversão de elementos sutis e disruptivos a obviedades clichês parece ser uma constante na carreira do diretor).

"Horror Noire" não é a primeira obra onde Robin Coleman se presta a analisar a história negra no cinema americano, "African American Viewers and The Black Situation Comedy" é um trabalho não publicado no Brasil mas que se dispõe a uma pesquisa similar só que voltada à comédia. "Horror Noire", no entanto, nos oferece reflexões mais profundas sobre o que consideramos como digno de medo, como a sociedade constrói e lida com esses signos em detrimento de minorias e culturas inteiras. Trata-se de uma leitura importante atualmente, em meio de tantos trabalhos que se dizem acadêmicos mas que se dispõem a imbecilizar seus leitores, em tempos em que a irracionalidade e o desrespeito puro e simples a lutas de grupos minoritários parece ter se tornado, incoerentemente, símbolo de transgressão. 


Além disso, a edição da DarkSide Books que, apesar de enorme e repleta de extras, ficou leve e fácil de manejar, não deixa a desejar a nenhum best-seller de terror publicado pela própria editora ou Brasil a fora. É prato cheio para quem procura uma leitura divertida porém reflexiva, educativa sem admoestar.

Autora: Robin R. Means COleman
Editora: Darkside Books
Número de páginas: 464
Classificação: ★★★★★/✰✰✰✰✰ 


*Livro cedido em parceria pela editora*

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