domingo, 20 de outubro de 2019

{Outubro Trevoso} [Resenha] O Devorador, por Evandro Pereira Luiz


Você já deve ter passado pelo limbo existencial que é terminar um bom livro e não conseguir encontrar nada que lhe apeteça o interesse por um bom tempo. No meu caso, o exemplo mais recente foi “Como nascem os Monstros”, de Rodrigo Nogueira. Grandes obras de arte são verdadeiras experiências de vida: elas mudam sua percepção sobre o mundo de maneira a mudar seus gostos depois de que somos expostos a elas, as vezes dramaticamente. Não considero “O Devorador” tão bom quanto o livro de Rodrigo Nogueira, mas o trabalho de Evandro Luiz é, com certeza, um toque de frescor em um gênero que deve ser, provavelmente, o mais amaldiçoado por clichés ruins: o horror.

Infelizmente, não existe versar impressa do livro, que está disponibilizado na Amazon no formato e-book. No entanto, vale a pena o esforço da leitura em um desktop ou até mesmo no seu celular (caso você não tenha um e-reader): “O Devorador” é um livro curto, ágil e magnético; o típico livro que força o leitor a virar as páginas constantemente, que não lhe dá sossego até terminar.

Sem muitos spoilers, a história gira em torno de Jonas, um garoto afligido por um trauma recente que não consegue se encaixar no ambiente escolar e que sofre perseguição de seus colegas. Para piorar a situação, o garoto ainda é atormentado por pesadelos recorrentes envolvendo um lobo negro ou um homem de feições lupinas que o ameaçam e lhe tiram o sono. Quando o mundo onírico começa a se misturar ao material, tem início uma história onde o narrador nos convida a questionar a realidade além, é claro, de abordar com a necessária originalidade temas como o bullying e a vida social adolescente.

O livro abre com a citação “One who doesn’t care/ Is one who shouldn’t be” (adaptando livremente, “Aquele que não se importa/ É alguém que não deveria existir”), da música “Dirt” de Alice in Chains. Muitas vezes esse tipo de epígrafe é escolhida pelos autores como simples forma de marketing, como uma maneira de instigar o leitor. Não digo que este não seja o caso aqui, no entanto, neste caso em específico, a epígrafe é um reflexo quase que perfeito da moralidade dos eventos que se desenrolarão ao longo da narrativa. Luiz se afasta da nossa corriqueira moralidade cristã e vai buscar inspiração na américa pré-hispânica para criar uma das personagens mais instigantes que conheci nos últimos anos. A personagem coloca em xeque nossas noções de certo e errado, de justiça e injustiça, abrindo margem, inclusive, para nos questionarmos se essas noções não permitem que pessoas de má índole sigam impunes.

A questão do bullying é abordada de maneira nua e crua, portanto, fica aqui o aviso: quem passou por essas situações pode ter flashbacks indesejáveis. O autor trabalha com certos arquétipos do mundo do horror escolar infanto-juvenil sem, no entanto, recorrer à uma lógica americanizada de relacionamentos interpessoais. A história se passa no Brasil, não no Brazil e, por conta disso, acaba ficando muito mais próxima das nossas próprias experiências de vida. Aqui vemos refletido o choque de realidades que o ambiente escolar de classe média proporciona, a maneira como alunos ricos e despossuídos interagem entre si, de que forma procuram se destacar, o que procuram esconder. Esse tipo de interação é um exemplo de algo propriamente brasileiro que não ocorreria em um romance americano onde, por exemplo, o ambiente social é muito mais segregado.

O principal problema do livro é que ele acaba cedo demais. Isso é um elogio enviesado, mas também uma frase literal. Em alguns momentos a narrativa fica apressada demais ou carece de aprofundamentos que seriam interessantes – não me entenda mal, a história é concluída e as pontas soltas são amarradas. As descrições do autor são dinâmicas, mas as vezes ficam secas demais. A pressa para chegar ao ponto final é bem vinda quando estamos tensos com o desenvolvimento da narrativa, no entanto, do ponto de vista estrutural, talvez o livro ficaria ainda melhor com esse tempero adicional. É o tipo de crítica que eu estou disposto a retirar caso tenha sido intencional da parte do autor.

Portanto, recomendo o livro não somente pela qualidade da leitura, mas também pelo frescor da narrativa. Luiz é um autor hábil pela maneira como constrói um texto detalhado mas sem nenhuma gordura, um feito que impressiona quando levamos em consideração o fato de que “O Devorador” é uma obra completamente independente. Vale muito a pena apoiar o trabalho de um autor independente que valoriza a literatura brasileira sem perder de vista os tropos narrativos internacionais. 

Autor: Evandro Pereira Luiz
Editora: Amazon 
Número de páginas: 137
Classificação: ★★★★/✰✰✰✰✰

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