“Somente no silêncio a palavra, somente nas trevas a luz, somente na morte a vida: o voo do falcão brilha no céu vazio.” (Página 11)
Palavras. Tudo o
que é dito tem poder, isto se você sabe o nome real das coisas.
Ursula K. Le
Guin, como diz no próprio posfácio deste livro. Escreveu um livro de fantasia
para adolescentes, o famigerado YA. Só que ela não usou os moldes dos YAs da
atualidade, ainda mais por ter escrito este livro em 1968, onde as referências
em fantasia eram Tolkien e T.H. White (Já ouviram falar de Gandalf e Merlin?).
Estas referências incluíam a segregação, principalmente racial e de gênero (alô
meu povo, estamos em 2017 e ainda temos muito disso na literatura - estamos caminhando para o progresso!). Por isso,
Ursula resolveu mandar todo mundo a merda, com muita classe, e escrever um
livro com pessoas de outras etnias. Vale ressaltar que a época que este livro foi escrito, 1968, foi o auge do conflito por direitos civis nos Estados Unidos. Não podemos esquecer: Martin Luther King Jr. foi assassinado no mesmo ano. Ninguém é obrigado a tomar parte em movimentos sociais, mas esse tipo de contribuição é muito importante, ainda mais para um gênero literário que carece, até hoje, de algo tão presente para no mundo em que vivemos: diversidade.
Claro, na época
isso deve ter sido bem difícil e teve que ser feito com extrema sutileza. Ainda
mais por Ursula ser uma mulher – por sinal, a primeira autora de ficção científica
a fazer sucesso em um mundo dominado por homens. Para resumir a história ela
deu dois tiros: o primeiro foi inovar a fantasia de uma maneira simples, porém
que funciona perfeitamente. E a segunda foi criar um mundo com diversidade.
“Um mago pode
controlar somente o que está próximo a ele, o que ele pode nomear plena e
exatamente. E isso é bom. Se não fosse assim, a maldade do poderoso ou a
loucura do sábio há muito teriam feito de tudo para modificar o que não pode
ser modificado, e o equilíbrio se romperia.” (Página 52)
Ela cria um protagonista
negro que é descrito com tamanha sutileza, que muitas pessoas só foram perceber
que ele era negro lendo o posfácio. Porém, não é só a descrição dos personagens
que é feita com sutileza e maestria. Ursula K. Le Guin cria um sistema de magia
simples, onde tudo está em equilíbrio. Se você altera o clima, para que chova,
em algum lugar do outro lado do oceano uma terra passará por uma seca. Todas as
magias são baseadas em conhecer o verdadeiro nome das coisas.
O ponto principal
deste livro definitivamente é “ação e
consequência”. E Ged apanha muito
até descobrir que toda ação tem uma reação.
“Nunca lhe
ocorreu que o perigo ronda o poder como a sombra persegue a luz? A feitiçaria não
é um jogo que jogamos por diversão ou para receber elogios. Pense nisto: toda
palavra, todo ato de nossa arte, é falada e é feita para o bem ou para o mal.
Antes de você falar ou fazer, tem que saber o preço a pagar!” (Página 31)
No primeiro
volume do “Ciclo Terramar”, “O Feiticeiro de Terramar”, conhecemos um
garoto que vive em uma ilha remota e que se tornará o maior Feiticeiro de
Terramar, Gavião. Porém, antes de se tornar esta pessoa, ele era um garoto que
vivia em uma pequena ilha, que estava fadado a seguir os passos de seu pai e se
tornar um ferreiro, ou cuidar das cabras, como metade da ilha.
“O Feiticeiro de Terramar” acompanha Ged, o nome por trás da lenda que é Gavião, por
todo o árduo caminho do seu aprendizado e acima de tudo, sua jornada de
autodescobrimento. Em um primeiro momento Ged é arrogante e cheio de si. Por
ser dono de um grande poder ele acha que está acima de tudo e de todos, o que se
revela sendo seu maior erro.
“Este foi o
primeiro passo de Dunny no caminho que ele deveria seguir por toda a vida: o
caminho da magia, o caminho que o conduzirá finalmente a perseguir uma sombra
por terra e mar até as praias sombrias do reino da morte. Mas, naqueles
primeiros passos, o caminho parecia uma estrada ampla e iluminada.” (Página 16)
Por ser tão poderoso, ele não teme o desconhecido. Munido de seu orgulho, ele se aventura em magias que estão muito além da sua compreensão, o que acaba por liberar um mal tão grande, que o levará em uma cruzada por mares solitários e ilhas abandonadas, em busca de redenção.
“Ele não via – ou
não queria ver – que, em sua rivalidade, à qual ele se apegava e cultivava como
parte do próprio orgulho, havia algo do perigo, da escuridão contra qual o
Mestre Malabar suavemente lhe advertia.” (Página 50)
Talvez o começo
desse livro possa ser um pouco confuso e demore um pouco a passar. Porém, vamos
lembrar que estamos sendo introduzidos a um mundo e um sistema de magia completamente
novos. Tenha paciência, que em menos de 20 páginas você já terá sido mordido
pela escrita hipnotizante de Ursula Le Guin e não conseguirá mais largar este
livro. O que é um problema, já que ao final você vai descobrir que 170 páginas
passam rápido demais.
“Acender uma vela
é lançar uma sombra...” (Página 49)
Se você busca um
livro recheado de ação, sangue e grandes batalhas, “O Feiticeiro de Terramar” não é para você. No posfácio, Ursula
explica como guerras são metáforas morais limitadas, limitantes e perigosas. Já
que toda a trama do livro é dividida entre o confronto entre o bem e o mal (nós
e eles), reduzindo a complexidade ética, fazendo com que apenas a violência
seja a chave.
Tudo depende do
ponto de vista, já que um ato “heróico”, visto pelo “outro lado”, pode ser
considerado um ato de extrema violência e impiedade. A história é escrita
sempre pelo lado dos vencedores, pelo lado de quem tem mais poder.
Ursula não quis
escrever um livro em que a violência fosse o protagonista. Ela cria alguém que
precisa descobrir quem ele próprio é e, acima de tudo, que precisa amadurecer.
Ela ainda
ressalta que para que Ged venha a descobrir o homem que ele poderá ser (o
grande Gavião), ele deverá antes olhar para dentro de si e conhecer quem é o
seu verdadeiro inimigo e “isso exige busca e descoberta, não guerra”.
“A
descoberta lhe traz a vitória, só que não do tipo que é o fim de uma batalha,
mas sim o começo de uma vida.” (Página 175)
Acho que o único
ponto negativo foi com relação ao mapa. Nesta edição, publicada pela Editora
Arqueiro, o centro do mapa fica bem no meio das páginas, e devido a dobra do
livro, fica um pouco difícil de encontrar alguns lugares – ainda mais que
metade da história se passa nas ilhas próximas a dobra do livro.
De um modo geral, eu recomendo este livro para qualquer pessoa. "Ah, mas eu nunca li fantasia, não sei se eu vou conseguir, dizem que é difícil..." Parabéns, você acaba de descobrir seu primeiro livro! "Ai, eu não gosto de fantasia..."Morra - leia este livro e mude de opinião. "Bla bla bla" Apenas leia este livro!
De um modo geral, eu recomendo este livro para qualquer pessoa. "Ah, mas eu nunca li fantasia, não sei se eu vou conseguir, dizem que é difícil..." Parabéns, você acaba de descobrir seu primeiro livro! "Ai, eu não gosto de fantasia..."
Autora: Ursula K. Le Guin
Editora: Arqueiro
Número de páginas: 176
Skoob: Adicione a sua estante
Classificação: ★★★★★♥/✰✰✰✰✰
*Livro cedido em parceria pela editora*
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