terça-feira, 4 de fevereiro de 2020

[Resenha?] BTK Profile: A Máscara da Maldade, por Roy Wenzl et al.


Em 1989, Neil Gaiman produzia o famoso arco “Casa de Bonecas” durante sua aclamada fase como autor de “Sandman”. Neste arco há uma história chamada “Colecionadores” onde, se não me falha a memória, uma garota acaba indo parar sem querer em uma convenção de assassinos em série sendo realizada em um hotel no interior dos EUA. Lembro de achar a premissa boba quando li a história: uma convenção de assassinos em série parece o tipo de exagero que só poderia existir em histórias em quadrinhos. Algum tempo depois assisti ao excelente “Zodíaco”, de David Fincher e minha opinião mudou completamente sobre o assunto. A forma como o até hoje foragido assassino buscou ativamente a atenção da mídia abriu meus olhos para um aspecto chocante que podemos encontrar em vários casos de assassinos em série: o fato de que muitos deles veem (ou ao menos afirmam ver - é difícil com assassinos psicopatas) seus crimes como seu “trabalho”, sua “obra”.

Retornei ao quadrinho após assistir ao filme e tudo fez mais sentido, inclusive o trocadilho infame que usaram para batizar a convenção - convenção de “cereais” -, isso porque a zombaria, a sensação de superioridade perante o público, a sensação de estar se escondendo em plena vista, são características que muitos assassinos em série compartilham entre si. Sendo assim, seria realmente absurdo imaginar que, especialmente hoje em dia com softwares como o navegador Tor, por exemplo, existem assassinos em série se encontrando para discutir seus crimes pessoalmente? Talvez não em uma grande convenção dentro de um hotel, mas quem sabe em um apartamento qualquer, uma praça de alimentação de algum shopping por aí. Sei lá, melhor não pensar nessas coisas.


Mas o que tudo isso tem a ver com Dennis Rader? O caso BTK me lembra da Convenção de Cereais pelo mesmo motivo que o caso Zodíaco. O brilhante perfil construído por Roy Wenzl, Tim Potter, Hurst Laviana e Laura Kelly - que deu origem ao recente título da DarkSide Books BTK Profile: A Máscara da Maldade - dá ao leitor uma ideia de como assassinos podem influenciar um ao outro. Rader acaba sendo construído como um homem absolutamente desesperado por atenção, cujo relacionamento com a imprensa parece ser tão importante quanto a satisfação sexual que buscava com seus crimes. A forma como se inspirou em outros como Son of Sam para tentar chamar a atenção da mídia adiciona uma camada de repugnância a mais aos crimes de Rader: não bastava destruir a vida de suas vítimas, era necessário ser reconhecido por isso.


Os assassinos em série americanos possuem diversas narrativas construídas ao redor de suas respectivas atrocidades. É comum termos a impressão de que lá nos EUA há mais assassinos psicopatas do que no resto do mundo - e isso talvez seja verdade -, mas o mais provável é que a polícia americana seja melhor equipada para investigar e solucionar esse tipo de crime e que a mídia deste país tenha maior interesse em espremer cada detalhe possível dessas histórias. Essa cobertura midiática intensiva acaba por criar verdadeiras mitologias ao redor destas figuras que, não por acaso, acabam influenciando a ação de outros assassinos igualmente perigosos. Em certa medida, podemos afirmar que BTK também é resultado desta influência. O assassino chegou a mandar uma carta para o jornal local que cobria sua atividade sugerindo nomes que os jornalistas poderiam usar para se referirem a ele nas matérias. Ao mesmo tempo, a máscara de bom moço que Rader ostentava no dia a dia parece falar com uma espécie de fantasia infantil de super-heroísmo distorcido: durante o dia marido dedicado, escoteiro e presidente da congregação local; durante a noite, assassino sexual doentio. O sangue sobe só de imaginar Dennis Rader abafando um risinho presunçoso ao ver suas iniciais na primeira página do jornal local. Escondido em plena vista.


A característica mais importante do livro de Roy Wenzl et al. é a forma objetiva com que os casos são retratados. Obras dessa natureza, infelizmente, tendem a glorificar indiretamente os crimes de seus protagonistas; Ted Bundy é um excelente exemplo desse fenômeno: um criminoso violentíssimo responsável por gerar feridas que jamais cicatrizarão em famílias inteiras mas que teve construída ao redor de si uma imagem de sedutor misterioso que não condiz em nada com a realidade, muito provavelmente para vender mais jornais e conquistar mais pontos de audiência. Não é o caso de BTK Profile, o retrato que obtemos aqui é muito mais realista: Rader acaba pintado como um ególatra obcecado pelo cheiro dos próprios peidos que se considerava melhor do que os outros apesar de não ser nenhum gênio e que, apesar dos inúmeros erros que cometeu ao longo de sua “““CARREIRA”””, passou impune em virtude de um misto de incompetência policial e sorte; um covarde que se aproveitava da inocência de seus concidadãos para obter satisfação sexual e depois se gabava como se seus feitos fossem dignos de orgulho.

Mas não para por aí. BTK Profile também possui um um valor intrínseco de entretenimento que não podemos ignorar. Trata-se de uma leitura tão dinâmica, um texto tão bem estruturado que por vezes parece um romance. A história em si já é fascinante, mas nenhum livro consegue se sustentar somente na premissa, é necessária uma boa execução, e isso não falta aqui. Contando com 394 páginas, a leitura nunca se torna massante ou “obrigatória”, e isso é um feito e tanto para este tipo de livro. A edição, é claro, também contribui muito. O trabalho editorial da DarkSide criou tendência no Brasil e não é nesta edição que ele deixa a desejar: trata-se de um exemplar cheio de imagens e conteúdo extra apresentados com uma identidade visual muito atraente e agradável para os olhos. 


BTK Profile: A Máscara da Maldade é um livro muito bom tanto para quem gosta do gênero true crime quanto para pessoas que queiram começar a se aventurar pelo gênero. Trata-se do tipo de leitura que gera um impacto duradouro no leitor, o tipo de obra que te torna mais exigente.

Autores: Roy Wenzl, Tim Potter, Hurst Laviana e Laura L. Kelly
Editora: Darkside Books
Número de páginas: 416
Classificação: ★★★★★/✰✰✰✰✰ 

*Livro cedido gentilmente pela editora*

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