segunda-feira, 20 de abril de 2020

[Resenha] IT: Capítulos 1 e 2


.:SPOILERS:.


Há um momento no meio de IT: Capítulo 2 em que a cabeça decepada de Stan ainda criança cai e rola lentamente até um canto da sala da casa onde os protagonistas, agora adultos, tentam enfrentar a criatura que os atormentou a 27 anos. Passados alguns segundos de silêncio e antecipação, Stan pergunta aos amigos o que está acontecendo quando, de dentro de seu crânio, saem pernas aracnídeas gigantes que o transformam em uma espécie de aranha zumbi humanóide gigante. Neste momento, estirado na cama com a camiseta suja de molho de pimenta e farelo de pipoca, pensei comigo: como pode uma coisa dessas não gerar medo algum? Apesar do que está sendo mostrado, o visual é incrivelmente realista (se existisse uma aranha zumbi humanóide gigante ela provavelmente seria parecida com a retratada no filme), e se nos colocarmos na pele dos protagonistas, tudo o que acontece em ambos os filmes seria incrivelmente assustador e traumatizante. Então por que ambos são tão ineficientes em gerar medo no expectador?

Nota da Isa: Peço perdão mas eu fui obrigada a colar essa imagem aqui.

Não sou familiarizado com o livro de Stephen King. Na verdade li apenas um de seus livros (Zona Morta, tem resenha aqui no blog!), e não gostei muito. Mas descarto logo a possibilidade de haver algum problema inerente ao material fonte, pois já ouvi opiniões muito positivas sobre o livro. Na verdade, imagino que as situações retratadas no filme seriam muito mais eficientes sob a forma de literatura uma vez que, quando estamos lendo, somos forçados a preencher algumas lacunas por conta própria e, imagino eu, que a tendência seja preenchê-las com o melhor conteúdo possível que conseguimos imaginar. Ou seja, o autor vai guiando nossa imaginação. Uma dessas lacunas, a mais óbvia, é a visual (o universo onde habita o cinema), e o visual representado na tela refletirá o que especificamente os realizadores da obra consideram como o melhor possível - o que pode ir de encontro com o que outras pessoas consideram melhor ou, neste caso, assustador.


A personagem de Bill parece conversar diretamente com o espectador em alguns momentos, por vezes em uma tentativa de justificar o que o próprio King está fazendo. O final de IT é bastante decepcionante: o autor é livre para fazer o que quiser, e eu tenho certeza que seus fãs tem milhares de justificativas para tudo o que é retratado em suas obras. Tudo bem. Mas o final de IT é extremamente mirabolante, desnecessariamente complicado e Bill, especialmente no início do filme, parece estar querendo justificar a escolha estética do autor - e dessa forma, conquistar a simpatia do espectador -, usando o argumento de que, na vida real, não há desfecho, as coisas simplesmente não fazem sentido e como diria Dr. Manhattan, “nada nunca acaba”. Mesmo assim, a explicação encontrada para a criatura é uma mudança de tom muito abrupta com relação ao que foi estabelecido no Capítulo 1. Para expor melhor o que quero dizer, acredito que uma série como A Maldição da Residência Hill executa melhor algo que King tenta fazer em IT. Reconheço que a comparação direta entre duas obras não é a forma mais apropriada de estabelecer um ponto; também reconheço que os realizadores da série provavelmente se inspiraram no trabalho de King. No entanto, a série nunca deixa totalmente claro o que está acontecendo ou por que está acontecendo. O espectador é deixado com dúvida sobre o mistério até o final (sendo forçado a preencher certas lacunas por conta própria), e por causa disso, o mistério nunca perde sua potência. Em IT, o autor parece obcecado por dar ao espectador um desfecho mas não consegue pensar em um que seja bom o suficiente por que a premissa original da obra é alienígena (no sentido de mexer com elementos que estão além do nosso mundo material e que, portanto, não somos sequer capazes de compreender como funcionam). Por conta disso, o desfecho encontrado acabou sendo o mais mirabolante e complexo possível de maneira a transformar o horror psicológico do primeiro capítulo em um filme de monstro no segundo. E para adicionar insulto à lesão, o próprio autor parece desconfortável com sua obra e insere uma personagem nela para tentar conquistar alguma simpatia do espectador. Presumo que isso seja um problema dos filmes, pois, novamente, já ouvi opiniões muito positivas sobre o livro, mas esse foi um dos principais pontos de contingência para mim ao longo das quase três horas de duração do segundo capítulo.

Tradução: Peixes assustados no aquário ----- eu.

Essa mudança repentina de tom acaba estragando a obra como um todo. O primeiro capítulo é melhor do que o segundo em princípio por que não temos ideia do que é a criatura e o autor acaba focando nos dramas pessoais de cada uma daquelas crianças que são forçadas a lidar com traumas extremos. Somos convidados a interpretar o que estamos assistindo ao invés de aceitar as justificativas impostas, algo que é muito mais eficiente no gênero de horror. Todas as protagonistas possuem vivências semelhantes e a criatura parece ser uma espécie de metáfora visual que concentra todos os seus medos e inseguranças. É apenas quando os heróis unem forças para enfrentar seus medos que a criatura acaba sendo derrotada (ou colocada em stand by). Ao sermos introduzidos à noção de que a criatura não é uma metáfora visual, e sim literalmente uma criatura que se alimenta de medo, a premissa do primeiro filme acaba perdendo a potência, uma vez que fica a impressão de que aquelas crianças não teriam passado por aquelas situações se ela não existisse. Sendo assim, em uma tentativa de melhorar o final de sua obra, o autor acaba retroativamente piorando o começo.

Nota: O elenco contou com grandes nomes do cinema, como Jessica Chastain, James McAvoy e Bill Hader.

Em termos de produção não há muito do que reclamar. A estrutura de ambos os filmes é boa e, ao menos para alguém que não leu o livro, não há nenhum momento em que podemos ver que está faltando algum pedaço da história ou que o roteiro está apressado (algo comum em adaptações, ainda mais de livros tão gigantescos quanto IT). Os efeitos especiais também são impecáveis do começo ao fim. Porém, ao passo em que a produção é tecnicamente impecável, especialmente no segundo capítulo, o filme não parece saber como manter um tom claro e conciso que corrobore com sua premissa. No início do segundo capítulo, por exemplo, há uma cena em um restaurante “oriental” onde as personagens começam a gritar e destruir o restaurante por causa de ilusões causadas pela criatura. Como nenhum funcionário do restaurante aparece para ver o que está acontecendo, o espectador acaba concluindo que é tudo uma ilusão, inclusive a reação das protagonistas até que aparece uma única funcionária que vem calmamente verificar seus clientes e é surpreendida ao vê-los destruindo toda a sala onde se encontram. Não há consequências para as protagonistas. Esse tipo de inconsistência ocorre em outros momentos do filme que, inclusive, corta irritantemente a tensão que constrói com piadinhas a lá vingadores. A obra inteira é permeada por inconsistências, mas as tonais são as mais estridentes porque é em virtude delas que que os filmes nunca realizam seus potenciais completos, permanecendo em um estado de suspensão muito inconveniente.


Quem não leu o livro e quer saber se os filmes são uma boa alternativa, eu respondo com tranquilidade mesmo sem ter lido: não são. Os filmes não se sustentam por conta própria e isso nós podemos conferir, inclusive, com a maioria das pessoas que leram o livro. Não é como o caso de O Iluminado que, apesar de alguns fãs e do próprio autor não gostarem do filme, ele continua sendo uma experiência cinematográfica engrandecedora. Se você tem curiosidade com a história de Derry, da criatura e dos perdedores, faça um favor a si mesmo e pule diretamente para o livro. Não acredite na minha opinião sobre o assunto. A Isa já fez um post listando 5 motivos para lê-lo

OBS: Para quem curtiu os filmes e quer alguma vindicação, a Isa também já escreveu uma resenha bastante elogiosa do primeiro filme aqui no blog. Dê uma conferida!

Diretor: Andy Muschietti
Ano: 2017 e 2019
Duração: 135 e 150 minutos
Classificação: ★★★ e ★★ /✰✰✰✰✰

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