sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

[Resenha?] "Sobrevivente", por Chuck Palahniuk


O complicado de falar sobre um autor como Chuck Palahniuk é que ele é muito influente para qualquer um que o tenha lido. Trata-se de um autor que, a partir de seu estilo cru e temáticas “sujas”, através de um realismo pessimista e transgressor, gera um impacto profundo para o leitor que, de tão movido, não consegue parar de virar as páginas até terminar o livro. Com “Sobrevivente” não é diferente.

Tender Branson é o membro de uma seita suicida que falha em se matar e passa o resto de seus dias perambulando pelo mundo como último sobrevivente do suicídio – ou seria assassinato? – em massa. Educado sua vida inteira para servir aos outros em troca de dinheiro que seria convertido em doações para a seita, Branson vive seguindo ordens e o fluxo das decisões alheias, vicariamente se alimentando de demonstrações de poder covardes e muito simbólicas dada sua situação. Nosso protagonista vai de zé ninguém a líder religioso, de vilão a mártir. A sociedade vai dele para a próxima notícia.

É difícil imaginar como certas coisas presentes na narrativa passaram pelo crivo editorial. Na verdade, é difícil imaginar o tipo de coisa que foi limada da obra para que ela chegasse às prateleiras da forma que chegou. É verdade que Palahniuk já era um best-seller na época (um feito raro, inclusive: ser um best-seller em seu primeiro livro publicado, algo que reforça o quão nevrálgico foi o ponto que o autor pressionou em “Clube da Luta”), e que deve ter tido muito mais liberdade do que outro autor qualquer, mas mesmo assim é um livro recheado de iscas para processinhos e críticas fundamentalistas.



Aqui, a análise clínica da sociedade americana da época continua a mesma: Palahniuk retrata uma sociedade cínica, viciada em mentiras e obcecada com aparências. Tender Branson acaba sendo um personagem perfeito para o contexto da história por ter sido educado, desde muito cedo e através de métodos crudelíssimos a obedecer sem questionar, a seguir o fluxo das coisas como elas se apresentam sem levar em conta sua própria vontade; sem sequer ter vontade alguma. A seita religiosa da Crendice é, inclusive, uma das coisas mais bem construídas da narrativa inteira, pois por um lado demonstra como grupos religiosos podem se apropriar das consciências para ganho pessoal e por outro como a sociedade é fascinada por esse tipo de coisa e como o sofrimento das vítimas desses grupos pode servir de anestesia, como a suposta burrice ou ingenuidade alheia serve para que nós nos sintamos melhores conosco.


Na verdade, uma impressão que o livro gera é que o autor está, a todo momento, tentando ativamente ofender o tipo de pessoa retratada sem nunca poupar tiros e sem nunca ficar sem munição. Se as pessoas que cercam o protagonista, talvez com exceção de Fertility Hollis e Adam Branson, são todas interesseiras, cínicas e iludidas, isso não faz de Tender uma vítima: nosso protagonista é um psicopata cheio de potencial desperdiçado que também encontra no sofrimento alheio uma forma de escapismo. A podridão registrada em “Sobrevivente” é nuclear: ninguém deixa de praticá-la, ninguém escapa. Tudo são aparências, tudo são soluções para soluções para soluções, tudo é um ciclo vicioso, nada é real a ponto da farsa ser a única verdade (“Sincero é o que quero parecer. A verdade não brilha nem reluz”).



Esse pessimismo com relação à sociedade é retratado justamente pela maneira cíclica que parece conduzir o passo da história e pela prosa direta e cheia de frases de efeito de Palahniuk. A auto-ilusão que ocorre na seita se repete em larga escala na sociedade “livre e desimpedida” também e o autor tem uma maneira muito impactante de transmitir essas ideias sem nunca parecer que está pregando, sem nunca excluir a si mesmo da equação que resulta na desgraça vigente. Ao descrever a juventude de uma determinada personagem como “jovem tipo dando risadas”, ou ao descrever a relação do protagonista com outros personagens como “Os únicos detalhes que conheço a respeito deles descobri limpando seus pertences”, ou quando descreve o ambiente onde o protagonista mora como “Todas as quitinetes no meu bairro são como um assento sanitário quentinho. Alguém estava lá segundos antes de você e alguém vai estar lá assim que você sair”, ou ainda quando descreve certa personagem como “Tudo nela parece à prova de mártires”, Palahniuk conta centenas de histórias em uma única frase, captura sentimentos que são até difíceis de expressar aqui. Chuck Palahniuk eleva a literatura.

Em suma, se não leu, leia.

Autor: Chuck Palahniuk
Editora: LeYa
Número de páginas: 360
Classificação: ★★★★★♥/✰✰✰✰✰ 

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