segunda-feira, 22 de julho de 2019

[Resenha] Assista “Mad Men”, é tostado! {Spoilers}

Este texto possui spoilers sobre todas as temporadas da série de TV americana Mad Men.


Mad Men é uma série sobre os “bons velhos tempos”; aqueles onde era tudo mais simples, mais fácil. Aqueles bons e velhos tempos onde sabíamos distinguir melhor entre amigos e inimigos, onde ainda predominava a honra entre os homens, onde mulheres sabiam seu lugar na sociedade e pretos eram segregados para seu próprio bem. Os bons e velhos tempos! Seja pela idade (a série terminou antes do grande boom do streaming e acabou ficando soterrada sob as centenas de produções que daí partiram), seja pela temática mais voltada ao drama e menos à ação, Mad Men parece ter ficado para trás na mentalidade do público da mesma maneira que outras grandes produções como The Wire e The Sopranos. Mas vale muito a pena conferir: trata-se de um drama que transita entre o mistério e a comédia, entre o material e o sobrenatural, entre o cinismo e o otimismo.

Donald Draper é um diretor criativo de sucesso em uma empresa de publicidade de médio porte chamada Sterling Cooper, localizada em Manhattan nos anos 1960. Embora seja este nosso protagonista, a série não é exatamente sobre ele. A Sterling Cooper, o mundo da publicidade, é nosso fio condutor, nosso elo com aquele universo. O objetivo da série é discutir questões muito mais profundas sobre aquele mundo e sobre os agentes que nele habitam. Acompanhamos a erosão da figura de Don Draper, a escalada íngreme de Peggy Olson, a busca de Pete Campbell por uma identidade e a de Roger Sterling por significado... Estes citados, dentre tantos outros, compõem um quadro complexo e que nunca deixa de instigar o expectador. Quem protagoniza esta série é a classe média alta dos EUA durante os anos 1960, os baby boomers.


Não sei se o ovo veio antes da galinha, mas a escolha do mundo publicitário para servir de cenário a um roteiro que foca em crises de identidade e na invenção do “Sonho Americano” tem um quê de genial, uma vez que dá a palavra justamente aos homens responsáveis por essa invenção. A capa de perfeição – a esposa que parece uma Barbie, o casal de filhos que parecem uma Barbie e o retriever que parece uma Barbie – é curta demais para esconder a decadência inerente à noção de bons e velhos tempos. As personagens da série parecem transitar permanentemente entre vidas distintas, entre máscaras, entre personalidades e realidades diferentes, entre a moralidade e a imoralidade. Joan Harris, por exemplo, é uma mulher atraente que passa os dias de serviço rebatendo assédio moral e sexual como se fosse um muro de concreto, mas que precisa conter o choro quando está sozinha para não borrar a maquiagem – a máscara. Impossível não simpatizar com a condição desta mulher que tanto sofre sob a opressão de discursos e práticas machistas tão perversas. No entanto, o choque de realidade é grande quando a mesma Joan, a mesma guerreira batalhadora que deveria sentir empatia pela luta dos outros, demonstra um lado racista para o qual ninguém da audiência está preparado. Séries mais recentes talvez cairiam no erro de tornar seus protagonistas bastiões da diversidade, o que certamente seria anacronismo em um momento histórico em que a segregação racial era questão de lei. Mad Men aproveita da obsessão que seus criadores possuem por retratar o período com precisão para desconstruir nossas ideias dos bons e velhos tempos: eram bons tempos para quem?

Outro exemplo onde a série torce a faca é na demissão de Salvatore, um personagem homossexual que é forçado a reprimir sua sexualidade em prol de sua carreira. Preso em um casamento que gera mal estar tanto para si quanto para sua esposa, Salvatore acaba perdendo o emprego quando se nega a responder ao assédio de um cliente poderoso. Quem o demite? Donald Draper, nosso protagonista que, neste ponto da série, já conhecemos o suficiente para saber que também não é exatamente um totem de moral e bons costumes. A mensagem é clara: você pode fazer o que quiser desde que esconda quem realmente é, desde que finja fazer parte do sonho. Se você não é capaz de fazer isso, não tem lugar nessa sociedade.


O alcoolismo e o tabagismo, considerados por muitos, até hoje, como sinal de elegância e sofisticação, surgem aqui como sintomas de uma sociedade que, para funcionar plenamente, precisa que seus integrantes estejam em constante estado de letargia. As únicas personagens que não abusam de substâncias químicas são as que se encaixam perfeitamente naquele universo, como o egocêntrico Pete Campbell que, paradoxalmente, de tão nojentinho e detestável, acaba se tornando uma das personagens mais contagiantes da série (especialmente quando temos sua conclusão em mente). A sociedade retratada é uma onde os conflitos ideológicos parecem conduzir todos a um embate inevitável – não é de se estranhar que uma das teses chave de Charles Manson girasse em torno, justamente, de uma guerra inevitável dentro da sociedade americana – mas os indivíduos que compõem esta sociedade não são capazes de largar o copo e encarar a si mesmos no espelho porque “we were told it's not polite to talk about yourself”. Novamente, trata-se de uma comunidade de aparências (e os hippies são culpados do mesmo crime).

No entanto, a série não se limita a apontar o dedo para a ferrugem desta era dourada. Um dos principais motes do show é o conflito entre gerações (Cooper e Sterling, Sterling e Draper, Draper e Olson, por exemplo). Os anos 1960 são muito interessantes para nós dos anos 2010 porque questões muito relevantes para nossa geração estavam começando a aflorar nesta época. É nos anos 1960, por exemplo, que os EUA passará por mudanças culturais drásticas fomentadas pela legislação; a centenária luta por direitos civis de mulheres, pretos e homossexuais, para citar apenas os exemplos mais notórios, começam a surtir efeito: mulheres conquistam o direito de receber pagamento igualitário, a homossexualidade começa a ser descriminalizada e o Movimento dos Direitos Civis força o início do fim da segregação racial institucionalizada. Tudo isso em um contexto onde a economia americana nunca foi tão próspera, nunca esteve tão forte. De que maneira o capitalismo irá se apropriar das conquistas destas minorias? O último episódio da série oferece uma resposta para essa pergunta. É cínico, mas é poético.


Em suma, Mad Men é uma série de TV produzida para pessoas que procuram algo além de um entretenimento momentâneo – não é exatamente uma boa pedida para pessoas que costumam usar a TV como plano de fundo para o celular uma vez que demanda total atenção do expectador, que acabará perdendo as sutilezas dos diálogos se não tiver boa vontade (não que a sua boa vontade vá garantir que você goste da série, né? Vai que você acha ela um lixo). Contando com performances excelentes de atores cujos talentos foram, em diversos casos, revelados aqui, Mad Man é uma série que emociona, faz rir, dá um nó na garganta e depois te larga órfão na sarjeta. Tudo aquilo que nós buscamos em uma boa série.

PS: Quem jogou L.A. Noire vai se divertir com a quantidade de atores e atrizes que aparecem em ambas as obras.

Criador: Matthew Whiner
Ano: 2007-2015
Temporadas: 7
Classificação: ★★★★★♥/✰✰✰✰✰ 

Um comentário:

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