quarta-feira, 11 de março de 2020

{#SemanaGirlPower} [Resenha] Para Toda a Eternidade

“Muitos dos rituais neste livro vão ser muito diferentes dos seus, mas espero que você veja a beleza nessa diferença. Você pode ser alguém que sente medo e ansiedade reais provocados pela morte, mas está aqui. Assim como as pessoas que vai conhecer, você está presente.” (Página 30)


Dando continuidade a #SemanaGirlPower, vamos continuar no tema de morte, afinal de contas é disso que a gente gosta - vai entender...

“Para Toda a Eternidade” é o segundo livro da autora, agente funerária, youtuber e entusiasta da morte Caitlin Doughty - fada sensata mesmo!

Em seu livro de estréia, “Confissões do Crematório” (tem resenha aqui no blog) acompanhamos Caitlin em uma viagem através de suas memórias e experiências com a morte. Já em “Para Toda a Eternidade”, é hora de colocar um sapato confortável, e partir em uma viagem pelo mundo, em um verdadeiro mochilão da morte.

Tirando o contato que eu tenho graças aos vídeos dela, não posso dizer que eu conheça a forma com que outras culturas lidam com a morte e o luto. Em “Para Toda a Eternidade” somos apresentados a rituais que envolvem desde o distanciamento total, até dormir na mesma cama que o cadáver do seu avô por 7 anos - vovô, você está puxando todo o cobertor.


“O poeta mexicano Octavio Paz escreveu algumas palavras sobre o caráter mexicano e sobre a morte que se tornaram famosas. Ele disse que, enquanto cidadãos de cidades ocidentais como Nova York, Paris e Londres “queimariam os lábios” se sequer murmurassem a palavra “morte”, “os mexicanos, por outro lado, a frequentam, debocham dela, a acariciam, dormem com ela, refletem sobre ela; é uma das suas brincadeiras favoritas e seu mais antigo amor”.” (Página 86)

Um dos pontos mais questionados pela autora é que o sistema funerário, principalmente nos Estados Unidos, visa apenas o lucro e trata as pessoas, e seus cadáveres, como objetos extremamente perigosos e que devem ser mantidos à distância. Como a própria Caitlin costuma dizer em seus vídeos: “corpos não são perigosos, pessoas vivas sim”. 

Corpos em decomposição não oferecem esse risco todo a saúde de uma pessoa saudável, claro que eu não recomendo manter um cadáver na sua casa sem nenhum tipo de método para o conservar, mas desde que existe a vida, existe a morte. Existem métodos mais naturais e menos impessoais de se lidar com um corpo. 


A forma com que tratamos a nossa única certeza na vida é um dos maiores tabus. Acho que eu não conheço nem 5 pessoas que consigam falar confortavelmente sobre a morte. Nós tememos o desconhecido e o esquecimento, nos distanciamos dele. 

Assim como em seus vídeos, a narrativa de Caitlin é extremamente informativa e didática e não perde o humor, a seriedade e o respeito. Somos transportados através das páginas em uma viagem riquíssima de diversidade cultural que muda nossa forma de enxergar diferentes os rituais de morte. 

Desde muito nova sempre tive um relacionamento estreito com a morte. Convivi com pessoas que estavam doentes e que morreram após um longo processo, assim como pessoas que morreram sem avisar e até com quem escolheu tirar a própria vida. Isso sem contar com as horas respirando formol em uma sala de anatomia, junto a vários cadáveres. De uma forma ou de outra, abri meus olhos para o fato de que a morte chega para todos.


“Em quase qualquer local em qualquer cidade grande da Terra, é provável que você esteja sobre milhares de corpos. Esses corpos representam uma história que existe, muitas vezes desconhecida, embaixo dos nossos pés.” (Página 207)

Até hoje me lembro perfeitamente do meu primeiro contato com a morte: quando enterrei no jardim meu peixe de estimação, por volta dos meus 4 anos. Essa experiência, e tantas outras acumuladas, me ensinaram a dar valor ao tempo que eu tenho com os outros e a aceitar que tudo é passageiro. 

Saber disso nunca diminuiu a dor em perder alguém que amamos, mas de uma certa forma nos conforta em saber que não estamos sendo punidos por um deus onipotente, simplesmente é como a vida deve ser: nascer, crescer, envelhecer e morrer. É a ordem natural das coisas.

Hoje posso dizer que quero morrer em um ambiente confortável, cercada pelas pessoas que realmente se importaram comigo, em um tom de festa, não imersa em um luto profundo ou em um leito impessoal de um hospital - apesar de trabalhar nesse ambiente. Quero que meus restos voltem para a terra da forma mais natural possível, e que o que eu consumi, possa me consumir de volta - viva a Katrina Spade e a compostagem humana!

“[...] Katrina comentou que “os humanos estão tão concentrados em impedir o envelhecimento e a deterioração que isso se tornou uma obsessão. E para quem é mulher, na sociedade, a pressão é implacável. Portanto, a decomposição se torna um ato radical. É uma forma de dizer ‘Eu me amo e me aceito’ “.” (Página 129)

Embalsamar alguém e fingir que essa pessoa não está morta não é saudável, nem para o meio ambiente e muito menos para quem está de luto. Esse distanciamento da realidade não é saudável e precisa ser trabalhado. Acredito que o trabalho de Caitlin desconstrói de forma divertida e faz com que um público maior se informe e, aos poucos, mude a cabeça e aprenda a aceitar o inevitável.


“Evitar a morte não é um fracasso individual; é um fracasso cultural. Enfrentar a morte não é para os de coração fraco. É desafiador demais esperar que cada cidadão faça isso por conta própria. A aceitação da morte é responsabilidade de todos os profissionais da morte [...] É responsabilidade de quem recebeu a tarefa de criar ambientes físicos e emocionais em que uma intervenção segura e aberta com a morte e os cadáveres seja possível.” (Página 208)

Nas palavras de Caitlin: afinal, você vai morrer.

Autora: Caitlin Doughty
Editora: Darkside Books
Número de páginas: 224
Classificação: ★★★★★♥/✰✰✰✰✰ 

*Livro cedido gentilmente pela editora*

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Este post faz parte da #SemanaGirlPower. Uma semana dedicada inteiramente a apresentar trabalhos feitos por mulheres incríveis que mudaram nossas vidas. O intuito desta semana é dar visibilidade à presença da mulher em mídias variadas, em homenagem ao Dia da Mulher (8 de março) ♥ #LeiaMulheres

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